Pessoas se jogam ao mar. As cenas tem se repetido milhares de vezes nos últimos anos. Eu mesmo pude pessoalmente ver a imensa fila dos que saíam às pressas, em grandes e seguras embarcações, se um porto na Turquia indo em direção à Grécia. Aqueles iam com segurança, apesar das condições terríveis de pobreza e de falta de perspectivas que os mesmos traziam. Porém, nosso coração não deixava esquecer a multidão dos que não tinham a mesma sorte, que iriam embarcar em pequenos botes e lançarem suas sortes, seus destinos, suas famílias, seus desejos ao sabor das marés altas e baixas dos mares gregos. Terrível realidade que assombrou milhares e milhares de pessoas ao menos nos últimos três anos em que o regime turco afrontou e permanece afrontando os mais básicos direitos da pessoa.

Um presidente eleito indica o projeto de se construir uma grande muralha que separaria os EUA do restante das Américas. Devaneio? A história o dirá. Mas que assusta, isso sim é fato. Os nacionalismos se exacerbam e não muito longe da data de hoje veremos um amplo e grave problema que tocará às relações internacionais já ameaçadas ante a simples aproximação do dia 20 de Janeiro de 2017 quando o novo Presidente será empossado. A França também padece de problemas semelhantes e a retirada dos países da zona do euro exacerbará as proteções nacionalistas. Conjuntura internacional e direitos humanos possuem uma intrincada relação.

As cenas de ataques ditos terroristas parecem ter dado uma pausa no cenário dos últimos acontecimentos. Porém, o medo se instalou em boa parte da Europa após o 11 de setembro. Parece que cada dia pode ser um novo 11 de setembro. As artimanhas do esquema de formação ideológica e teológica daqueles que irão adaptar em seus corpos ou maletas as bombas necessárias para serem explodidas aqui ou ali são algo tremendamente preocupante. Sim, porque há uma ideologia por detrás das práticas terroristas, há um submundo ideológico composto por imagens, livros sagrados, treinos ao estilo “lavagem cerebral” que reprogramam as mentes mais vacinadas contra estes tipos de ideais estranhos e avessos à normalidade social.

Estas e tantas outras possibilidades de análise fazem como quê uma grande moldura a partir da qual podemos analisar a questão dos Direitos Humanos no mundo. Sim, porque a questão da proteção dos direitos das pessoas e das coletividades extrapolou em muito os cenários locais e a problemática política tão forte nas décadas de 1960 e 1970. Uma época em que a questão dos direitos humanos estava mais associada à proteção ante a tortura e à cassação dos direitos políticos, depois amplamente revista pela Constituição cidadã de 1988, tornando a tortura crime hediondo e inafiançável e recuperando o amplo direito às diferenças políticas consagradas nos incisos do famoso Artigo 5º da carta constitucional. Agora, os Direitos Humanos são os direitos de toda uma civilização que vê seus pares, contingentes familiares e comunitários imensos, sendo forçados a se retirarem de seus lugares históricos e identitários por força de poderes políticos atrozes, que não mais aprisionam um ou outro líder político, mas tornam coletividades inteiras escravizadas ou assassinadas pelo poder exterminados de milícias ou grupos armados.

O Instituto Lato Sensu lançou-se na discussão desta importante temática de amplo interesse. Em 2014 realizamos o primeiro Seminário discutindo o tema “Segurança Pública e Direitos Humanos na perspectiva cidadã”. Ante os atrozes e persistentes cenários descritos no presente artigo, novamente o Instituto Lato Sensu trouxe à baila o tema em novo Seminário acontecido em sua terceira edição neste ano de 2016, discutindo a relação entre Segurança Pública e Direitos Humanos, chamando fortemente a atenção para a questão do Direito como responsabilidade não apenas do Estado, mas como sendo de todos. Em ambos os eventos, diversos estudiosos da área debateram o tema de modo contundente, competente. Demonstra-se, assim, a responsabilidade que a Instituição guarda para com o fomento da reflexão não apenas de ideias vagas, mas com profundas consequências para a reflexão das polícias e dos organismos sociais interessados, já que, em todos os seminários, contamos com a presença de renomados palestrantes que possuem responsabilização pública evidente ante à questão da segurança pública.

Por fim, resta-nos uma reflexão acerca da responsabilidade que todos temos ante o cenário de horror e de sofrimento que nossos pares vivem em diversos lugares do mundo e em diversos locais específicos dentro da sofrida realidade brasileira. Aqui, mesmo vivendo em um consolidado estado de direito, onde há a primazia ao menos legal dos direitos individuais ou coletivos, não raro vemos pessoas e grupos inteiros sofrendo com o vilipêndio aos direitos humanos mais fundamentais. Os presídios dão conta desta triste realidade. Ali, multidões de encarcerados, não obstante o dever de cumprir as penas que lhes são impostas, vivem uma cruel realidade dos abusos sexuais incluindo parentes próximos que lhes visitam, vivem a realidade da fome e dos maus tratos num sistema em que se paga caro para se ter uma comida de melhor qualidade ou um direito a um simples colchão na cela. O sistema carcerário como quê produz uma mentalidade retaliadora terrível naqueles que são obrigados a ali permanecerem. E há que se discutir o quanto de restaurador de fato é para o sujeito criminoso. Aqui um problema grave para a questão dos direitos humanos: não apenas o preso é sujeito de proteção jurídica face ao aparato punitivo do Estado, mas também as comunidades das favelas, dos morros, dos bairros, das vizinhanças, do comércio devam ser também amparados pela proteção aos direitos humanos.

Como se vê, direitos humanos tem a ver com dignidade. De todos. Indistintamente.

Os cenários nacionais e internacionais clamam por um novo processo civilizatório que privilegie a relação e o respeito ao diferente e não exatamente o poder do domínio, da força bruta, do capital. É preciso que um novo sujeito individual e social surja, urgentemente. Em tempos de Trump, não se pode, de modo algum, tornar normal os nacionalismos exacerbados e a morte ao diferente.

Assim, portanto, em tempos de grave crise de relacionamento entre os Poderes constituídos da República que promove uma crise generalizada ante a confusão que se faz entre democracia e baderna, que vilipendia também a dimensão patrimonial dos direitos humanos, necessário se faz a retomada do equilíbrio social urgente.

Direitos humanos, realmente, é responsabilidade de todos.